terça-feira, 21 de agosto de 2018

Portugal...


Sabes Portugal...gosto de te olhar...de te ver...de te sentir pulsar. 

Gosto da tua interioridade...com todas as virtudes e com todos os teus defeitos. 

O teu interior é tão distinto. Sente-se a pureza e o genuíno a jorrar por todos os poros...ao mesmo tempo que te vestes de mesquinhez, preconceito e controlo...entre o deve e o ser...quase tudo sob o manto da religiosidade e do confessionário.

Teimas em manter a tradição...escrevê-la na sua dança típica. Há caras novas nesta tua dança...o que ainda deixa a esperança de não se perder o que és na essência...o que te fez...o que no fundo depositaste dentro de nós.

O mundo gira de outra forma nestas tuas entranhas...o tempo corre com uma velocidade própria...ou talvez o tempo não corra sequer...há prioridades distintas. 

A pressa é tão relativa e as tuas pessoas olham-se nos olhos...cumprimentam-se e pouco ou nada dependem das novas formas de comunicação. Há bons dias...entre conhecidos e estranhos e, bastas vezes, ouve-se o Bem-Haja...uma expressão que tem tamanha beleza...mas que só os daqui...aqueles a quem deste de beber a tua essência...a entendem e percebem na sua plenitude. Fica com Deus e que Deus te abençoe...assim o ensinaste a tanta gente...mas tanta gente já o esqueceu ou nunca o pode aprender.

Dizem que o país esqueceu o teu interior...o país...aquele que está sediado em Lisboa... perdeu as tuas referências. Não sei se é bom ou mau...apenas sei que assim dizem. 

A teimosia de manter as tradições...tornando-as vivas...apenas é possível pela resiliência de um punhado de gente tua. As festas...aquelas que não se inscrevem nos sunset e nos festivais modernos...garantem encontros e reencontros...celebram-se com abraços e com histórias. Tu Portugal que tanto gostas de histórias...tu que és dos mais velhos da Europa...tu que tens uma história infinita. 

É a tua essência Portugal...aquela que jaz esquecida por muitos...aquela que tantos já desconhecem...aquela que muitos largaram ao abandono e morte...sim...já te mataram vezes de mais os filhos que são teus por sangue e direito.

O regresso dos filhos da terra...lembras-te Portugal de como era importante tê-los de volta...sabê-los vivos e de saúde. Mas também te lembras de como era difícil vê-los partir de novo. Iam para melhor...tinham a sua vida num outro local...longe...mas a festa do ano seguinte haveria de trazê-los novamente...sãos e salvos.

Se me permitires...ficarei pelas tuas entranhas enquanto puder...preciso delas...nelas fui criado...mesmo que o isolamento seja cada vez maior.
 

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Arte e ciência caminham de mãos dadas com a simplicidade...

Momentos simples que expressam tanto.

As vestes humildes...o local...as personagens que compõem o contexto...contrastam (à luz de preconceitos instituídos e amplamente difundidos) com a exigência da arte que está disposta no tabuleiro e que se assume como o centro do mundo...naquele momento.

Não estão a jogar um jogo, porque neste tabuleiro a sorte não entra...a sorte não determina e a única determinação é a de que a sorte não existe aqui.
Aqui, a estratégia e a táctica...elementos exigentes e que se alimentam, em exclusivo, do intelecto...aniquilam a emoção, a irracionalidade e até a crença no destino.

É certo que José Capablanca não vestia tais vestes quando em torneios, mas nas suas veias corria sangue cubano, como este, e a sua língua mãe era o xadrez.

A verdade...por mais que custe a assumir...é que não joga xadrez quem quer e não é menos verdade que é mais fácil e cómodo viver da sorte do que tomar em mãos o próprio "destino".

O preço a pagar pelo expurgo da sorte é sempre mais alto.

E assim fico...deliciado...a recordar este momento simples...registado de igual forma...simplesmente.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Trouxe-vos comigo...


Vocês não me conhecem…eu vi-vos na rua…e não resisti…registei-vos…trouxe-vos comigo.

Disseram-me que vocês eram pobres…mas eu sinto-me afortunado porque vos ouvi…porque vos trouxe.

Deixem-me fazer-vos uma confidência…eu tenho inveja do vosso sorriso…da vossa simplicidade…alguns acham que sou louco por invejar-vos…mas eu sinto-me bem a olhar para vocês.

Estavam a falar de política…diziam que a revolução vos tinha devolvido a dignidade…eu acho-vos dignos. Aqui pelas minhas bandas troçam da vossa roupa…mas eu acho que eles simplesmente não conseguem ver mais do que a embalagem…nós ligamos muito à embalagem…aos adereços…ao custo dos adereços.

Sabem…vocês confundem muita gente…falam de política…usam termos caros…e têm gostos de gente rica…fumam charuto…e têm poses de estadistas. Vocês parecem felizes…tranquilos…afáveis…isso desacredita o que dizem de vós…vocês destroem preconceitos e arrasam conceitos que por aqui se vendem como verdades absolutas…simplesmente por serem assim…simples e dignos.

A vossa terra é a terra dos contrastes…e eu adoro contrastes…gosto de ver o vosso tudo…perceber o vossa nada…sim, porque o vossa nada tem muito de mesquinho…tem muita maldade de gente medíocre.

Ainda bem que vos trouxe comigo…espero que não se aborreçam por causa disso…eu não vos conheço…não vos trato por tu…não trocámos uma palavra…tenho pena que não tenho sido possível.

Já tinha ouvido histórias vossas…gostei de vos ver…e por isso vos trouxe.

Deixo-vos a saudade…a minha saudade…e agradeço porque me enriqueceram a alma…aliás…que outras riquezas importam verdadeiramente?

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Grande e nobre é sempre viver simplesmente...

Muito já foi escrito sobre Cuba e sobre os cubanos. Linhas escritas que destilaram ódios ideológicos em igual proporção às linhas que expressaram amor eterno pela utopia e pelo admirável mundo novo.

A propaganda, de uns e de outros, lançaram Cuba nos extremos…do encanto ao desaire…da maravilha à destruição total…da abundância à fome…da felicidade à agonia silenciosa.

Contam-se histórias, umas verdadeiras e outras nem por isso, de heróis a vilões tudo tem o seu espaço. A verdade de uns sempre foi a mentira de outros e vice-versa…e também aqui, como em tudo, Cuba permaneceu e permanece ainda hoje nos extremos…o tudo e o nada.

Fujo, por opção, que apenas a mim me diz respeito, da classificação ideológica que lhe dou e do posicionamento ideológico que julgo mais adequado à realidade que tive o privilegio de conhecer.

Confirmo sem pudor que Cuba, mais concretamente Havana, está em todos os extremos que conheço.
E esses extremos tocam-se…fundem-se…de tal forma que rapidamente perdemos a noção de onde começam uns e terminam outros. Somos envolvidos num carrossel em velocidade vertiginosa…projectando sobre nós sentires e sensações em catadupa…voltas e voltas inebriantes e encantadores…contrastes de luz e cor a brotar por todos os poros citadinos…e tudo isto embalado por um povo apaixonante…humilde…honesto e que, de forma ímpar, nos verga com a força do seu acolhimento caloroso.
 
As sonoridades trespassam-nos o corpo que, sem o nosso consentimento, agita-se e tende a flutuar, mesmo que de forma desconcertada.

Não há como não nos envolvermos por um povo que luta pela sua sobrevivência, não desiste e não sucumbe. Não há como não admirar a nobreza da humildade que não descamba no processo violento e criminoso. Não é possível não ceder sentimentalmente perante as ações permanentes e concretas de cuidados e preocupações que se sentem genuínas.

Olhares que trazem ternura, olhares que nos prendem, olhares que somos obrigados a enaltecer e tantas vezes nos fazem sentir inferiores perante tamanha lição de humildade.
A pobreza existente não se esconde e não foge dos olhares estranhos. Ela existe e é assumida com honra. Ela não é justificativa para ações de agressividade, mas ela projeta a sua revolta num acolhimento gentil e quente.

Havana dá-nos muito mais que os CUCs que lá possamos deixar (mesmo que muitos o neguem)…Havana é, para quem a quer conhecer pelas entranhas…de um encanto incomparável…

Bethânia cantou Pessoa “Grande e nobre é sempre viver simplesmente”…e como se projectam os cubanos neste cantar de uma poesia superior.

segunda-feira, 19 de março de 2018

a preto e branco


A madrugada nascia lentamente...a aldeia ainda não acordara. As chaminés permaneciam adormecidas e teimavam em lançar os seus braços fumegantes que haveriam de abraçar os céus.

O nevão caído de véspera deixava antever um passeio gelado...mas a expectativa dos cenários criados pela neve aquecia mente e corpo...as vestes modernas fariam o resto.

O cenário que se percorria...em passo lento de contemplação...era um misto de paraíso com tragédia...o pensamento começava a ganhar forma e os sentidos iam-se desligando.

A neve cria sempre um espectáculo de contrastes...o branco imaculado faz sobressair ainda mais os tons...tudo...no "choque" com a neve...é mais do que na verdade é.

Mas aqui...neste local que tem a geografia como aliada para o tornar mágico...para além de algumas casas...cujas pinturas escaparam à "normalidade"...o preto é o contraste maior...o preto que o Verão passado deixou como tinta primordial.

A floresta foi transformada numa mata retalhada...morta...sem vida...de árvores consumidas pelas chamas...mas que teimam em permanecer de pé...pintadas a preto.

No ar há um odor intenso a queimado que...apesar de maltratar os pulmões e se sentir a cada respiração...destroça a alma. Ao mesmo tempo lança os nossos pensamentos...sem controlo algum e sem possibilidade de freio...a imaginar como terão sido...aqui...vividas as horas...os dias...com as chamas literalmente à porta...sem lugar a balanços prévios de percas materiais...apenas a luta pela mais básica sobrevivência.

É uma paisagem triste...apesar de minorado o impacto pela existência de neve...tão ao agrado dos forasteiros...que não têm de lidar com os seus constrangimentos. 

A neve aplicou...de forma quase directa...um filtro natural B&W...não havendo necessidade de recorrer à saturação das cores para o criar...ele está ali...diante dos nossos olhos.

A natureza...na sua fabulosa capacidade regenerativa...tentará mudar o filtro...mas será sempre o Homem a determinar a palete final de cores...infelizmente.

quarta-feira, 14 de março de 2018

O centro do mundo...era aqui...

São crianças...na rua...a fazerem aquilo que é suposto fazerem...brincarem...livremente...sem medo.

Estas não trazem gadgets ou equipamentos castradores da sua liberdade...não que os não tenham...não conheço a sua condição social...mas sinto...pelo som do "um-dó-li-tá" e dos seus sorrisos...que são...neste momento...livres das criações dos adultos que sonham sempre em encarcerá-las...seja de que forma for.

O que me corrói por dentro...qual ácido a deslizar suavemente pelas minhas veias...é pensar que estas crianças são...no exacto momento em que primo o botão do obturador...abençoadas pela sorte...são a excepção...são mesmo uma minoria.

Os seus direitos...consagrado numa carta bafienta e sem sentido prático...escrita por adultos...são na realidade a prova de que estas crianças são uma miragem...num mundo cada vez mais insuportável...

Perguntas em catadupa caiem com estrondo na minha cabeça...como é possível alguém roubar-lhes a inocência? Como é possível estas crianças serem uma excepção? Como é possível escravizar crianças? Como é possível transformá-las em objectos de rentabilidade laboral? Como é possível despejar-lhes bombas em cima? Como é possível dispor delas, na exacta medida em que se dispõe de um bem utilitário...sem valor? Como é possível retirar-lhes o sorriso...porque não têm sequer o direito a sorrir? Como é possível matá-las...conscientemente? 

COMO É POSSÍVEL?

Mas se o estrondo das perguntas causa moça...o rasgo é letal quando sinto que todos os pontos de exclamação o não são...eles são pontos finais...não são nenhuma pergunta...são factos concretos.

Respirar a nossa própria impotência só é suportável ante o egoísmo sentido de nos darmos ao luxo de sofrer pelo que vemos...a muitas das crianças do mundo já tirámos nós a simples possibilidade de sofrer...transformámos-lhe o sofrimento...no seu quotidiano.

Em salões dourados a "ouro"...magnânimos...gente importante assassina as nossas crianças...vive bem com isso...nenhum peso carregam...consciência não têm...poderão ser o poder...mas jamais terão a condição de ser humanos.

Fica por ora esta foto...a lembrança dos sons dos seus sorrisos e a ilusão que ali...naquele momento...registado...o mundo era belo...o centro do mundo.

sexta-feira, 2 de março de 2018

o "velho e o rio" (sem mar)

Vinha suave numa tarde quente...sentia-se a paz e a cada remada o barco respondia num deslizar tranquilo.

A arte da navegação morava ali.

Uma coordenação de movimentos sublime...pausada e afinada...de tal forma que distorcia a real dureza da tarefa.

Seguia em direcção ao porto de abrigo...ali haveria de permanecer ancorado...embalado pela doce ondulação.

O patamar da experiência do marinheiro...já estava claramente ultrapassado. A fusão do homem com o barco...era perceptível...sentia-se...o barco era a sua extensão material...um só em navegação.

Não sei de onde vinham...sei que iam ancorar...mas tenho a certeza que não seria a última viagem...a sua chegada não soava a despedida...pelo contrário...rotina talvez.

Este marinheiro...que tem a dureza do seu tempo bem cravado na pele...não vive sem navegação...poderá ser uma relação de amor ou ódio...mas o rio corre-lhe nas entranhas e ele pertence às entranhas do rio.

Era um final de tarde quente...que este marinheiro refrescou...construindo um doce quadro com a sua presença...

quinta-feira, 1 de março de 2018

Sinais de um tempo...de agora

São sinais de um tempo propositadamente enganador...preocupante...e...em certa medida...sufocante.

Sou de um geração que "inaugurou" os parques infantis.

Os parques infantis de então representavam uma enorme conquista...tinham tanta coisa associada...eram o resultado de lutas violentas nas sociedades mais desenvolvidas.

Os "velhos"...os desses tempos...e não os da fotografia...também se sentavam nos bancos de jardim...rejuvenesciam com o som dos risos e das brincadeiras das crianças...que se divertiam e cresciam...nos parques infantis...que eles "velhos"...haviam criado.

Mas o mundo ocidental mudou e continua a mudar...a uma velocidade vertiginosa.

Em simultâneo construíram-se muros...que nos impedem de ver para lá deles...e o que vemos é o resultado de inúmeros filtros...muitos dos quais desconhecemos a orientação...a tonalidade...a granularidade...e ainda menos os seus criadores.

Hoje há o "nós" e o "eles"...o espírito comunitário foi totalmente absorvido pelo ideal do individualismo...apenas há lugar ao conceito de comunidade quando tal se traduz em lucro...negócio...com os acumuladores do costume...elites...muitas sem rosto...detentoras dos poderes formal e informal.

Dentro dos muros a população envelhece...as máquinas reproduzem-se...as crianças não nascem...ninguém quer saber.

O futuro é o agora...o já...o umbigo de cada um...neste preciso momento.

Este registo fotográfico é um registo trágico...mas não tem sangue à vista...aponta para um futuro cheio de convulsões...incertezas...medos.

A visão de um parque infantil...sem esperança....

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

registos...eternos


A noite estava cerrada... chuviscava... pouco... mas ainda assim chuviscava.

O frio não se fazia sentir... apesar do rio estar ali... mesmo à beira... ou por estar eu à beira do rio.

O que me chamou à atenção foi a concentração deste homem... imperturbável... como se nada...mesmo nada... o pudesse retirar dos seus pensamentos... dos seus sentires... das suas artes.

A árvore dava-lhe a cobertura necessária... para que as suaves gotas de chuva não lhe tomassem a folha de papel.

Teimava em garantir que o que se apresentava diante dos seus olhos haveria de ir consigo... ali... naquelas folhas... brancas... haveria de registar aquele momento... torná-lo eterno... para todo o sempre... para todo o sempre dele.

Todos os registos que cada um de nós... à sua maneira... guarda... acabam por se transformar em parte de nós mesmos.. .como se fossemos um puzzle... constituídos por parcelas de história... a nossa história... aquela que apenas a nós diz respeito.

Assim, este homem... de forma muito tranquila... garantia o seu acervo que... um dia... lhe fará companhia... quando as lembranças... forem a sua bengala... e a sua lucidez delas depender.

Eu trouxe-o comigo... não lhe pedi... mas talvez a minha ação encontre nele a compreensão de quem... como ele... quis trazer o registo de um momento que me encantou... que me prendeu.

Ficou a minha dúvida... que guardava ele naquela folha?... a ponte?... o navio? ambos?... eu trouxe-os a todos e construí o meu quadro... mas fiz dele o centro... o ponto de partida... por justiça.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Comboio Presidencial...uma história dentro de uma história maior...


Um comboio, dirão uns...uma peça de arte, dirão outros...para mim, um deslumbramento.

A beleza ímpar...o brilho...a imponência...o cheiro da história e a das suas histórias...que só ele conhece intimamente...atribuem-lhe uma dimensão de Estadista.

Não é possível ficar indiferente à sua passagem...não há como não nos sentirmos menores ante a sua presença.

Há um Estado dentro dele e...em certa medida...ele foi o Estado...classes...do mais ao menos...como uma orquestra precisa de todos e todos são parte integrante dele.

Por aqui...nas suas viagens...transportou o poder...a diplomacia...as elites...as pseudo-elites...o povo trabalhador...que lhe alimentava a chama e garantia os serviçais...houve sempre lugar para todos...mas todos não ocupavam os mesmos lugares.

O Comboio Presidencial...

Eléctricos

Há gostos...atracções...sentires...que não têm história...não têm uma razão...eles são a história e a razão em si mesmos...sempre ali estiveram...cravados em nós...não conseguimos determinar o seu nascimento...sabemos apenas que permanecerão até ao fim dos tempos...do meu tempo.

Eu adoro eléctricos...mas adoro ainda mais os rostos...as expressões...as poses...daqueles que no seu interior viajam.

São vidas...histórias de vida...tão diferentes ou distantes...estão aglomeradas no mesmo espaço e partilham a mesma viagem...ou uma parcela dela...partilham...não têm o mesmo passado e...seguramente...não terão o mesmo futuro...mas estão ali...juntos.

Amo os sorrisos...os olhares...as expressões mais ou menos espontâneas...são linguagem universal...registá-los...um privilégio indescritível...

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Invicta...

©Hugo Tavares
A madrugada já vai avançada. O vento...suave...que se faz sentir...transforma o frio em navalhas que nos passam pelas mãos. A luz era já clara...mas não intensa...dançava abraçada a uma neblina...juntas deambulavam em passo de valsa...ambas permaneciam exactamente no mesmo sítio.
Eu gosto do acordar das cidades...há uma magia que as torna únicas...nenhuma tem o mesmo despertar para o dia.
O Porto tem um acordar deslumbrante...sente-se e cheira-se a sua alma. 
É um acordar inebriante...viciante...mesmo para quem não é de lá e apenas está de passagem. 
Suspeito que nunca ninguém está de passagem depois de por lá passar. 
Há um resgate permanente que nos impele a regressar...regressar vezes sem conta.
Os sons são ainda escassos e subtis...ecoam mais à distância. 
A ponte...ao contrário da canção sobre outra ponte..."não ficou deserta" e não há dúvidas que o Porto "não partiu para parte incerta". 
O Porto está aqui, mesmo diante de mim...ou melhor...sou eu que estou no Porto. 
O ferro da ponte...num cinza muito escuro...entra-me pelos olhos a dentro e a neblina...dançando a sua valsa com a luz...confere-lhe uma imponência ainda maior do que a habitual.
É uma ponte sem início e sem fim...como o são os sentires no Porto...eternos...e ficam...apenas...para sempre.
O Invicta está atracado ao cais da Invicta...jogo de palavras...coincidências...mas não havendo crenças nas coincidências...está para me lembrar que navega as veias de uma região dourada...navega o Douro...conhece-lhe as entranhas. Está tranquilo porque as águas apenas o embalam suavemente. O fumo que deita...anunciando o seu acordar mistura-se na neblina...não se distingue...não se destaca...mas está lá. Há-de romper a neblina se ela não se dissipar...há-de fazer mais uma das muitas viagens...não será tão Invicta como a cidade que o acolhe...mas os pulmões ainda estão jovens e passageiros não lhe faltam para garantir o sustento.
E se "uma gaivota viesse"...eis que ela irrompe pelo campo de visão a dentro...dona e senhora de si. Quer marcar a sua posição...trazer o movimento da natureza...e plana para se deixar ver...quer ficar no registo fotográfico...quer ser estrela...ela que de entre muitas foi a única que acordou cedo e se mostrou...no exacto momento em que a sua presença era requerida.
Assim...numa madrugada...se compôs um quadro vivo...ficará eterno e agarrado à lembrança de um momento único...irrepetível...MÁGICO...

domingo, 18 de fevereiro de 2018

um dia...

Não o conheço e não sei o seu nome. Apareceu-me do nada, do meio da multidão em folia. A festa era rija como são todas as festas do Carnaval de Torres. Para quem gosta e já por lá andou, sabe que o Carnaval de Torres tem um sentir muito peculiar. O Corso são todos os que nele participam e a distinção entre figurantes, estrelas e público é feita por linhas tão ténues que se tornam imperceptíveis.
No campo da fotografia este evento é uma palco de excelência, as cores abundam, o movimento é rei e as cenas são deslumbramento puro. A possibilidade de estar no centro dos acontecimentos faz subir a adrenalina e facilmente nos deixamos inebriar pela magia, pelos sons, pelos cheiros...a alegria é contagiante.
Mas regresso a esta fotografia que me tocou particularmente pela sua espontaneidade e pelo que representa para mim, autor da mesma. Eu não conheço, infelizmente, este homem. Surgiu-me do meio da multidão, dirigiu-se a mim, pediu-me com cordialidade se o podia fotografar. Respondi-lhe que sim e entre empurrões, apertos e alguns passagens pelo meio, lá consegui satisfazer o seu pedido. Pedido que de tão simples me tocou profundamente. Ele não me pediu que lhe enviasse a fotografia, não a quis ver no lcd da câmara, apenas me pediu para o fotografar. 
Depois, assim como apareceu, desapareceu na multidão, deixando-me atordoado com a situação. 
Não sei os fundamentos para o pedido, nem sei se a satisfação do mesmo lhe trouxeram algum sentir digno de registo, onde possa ter imperado a felicidade. Gostava que assim fosse e que, de alguma forma, o meu gesto o pudesse ter feito feliz e lhe tivesse demonstrado que, de entre tantas fotos que fiz, esta foto foi especial e merecerá lugar de destaque nas minhas memórias. Porque a fotografia é isto, também isto, momentos que nos tocam emocionalmente.