quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

registos...eternos


A noite estava cerrada... chuviscava... pouco... mas ainda assim chuviscava.

O frio não se fazia sentir... apesar do rio estar ali... mesmo à beira... ou por estar eu à beira do rio.

O que me chamou à atenção foi a concentração deste homem... imperturbável... como se nada...mesmo nada... o pudesse retirar dos seus pensamentos... dos seus sentires... das suas artes.

A árvore dava-lhe a cobertura necessária... para que as suaves gotas de chuva não lhe tomassem a folha de papel.

Teimava em garantir que o que se apresentava diante dos seus olhos haveria de ir consigo... ali... naquelas folhas... brancas... haveria de registar aquele momento... torná-lo eterno... para todo o sempre... para todo o sempre dele.

Todos os registos que cada um de nós... à sua maneira... guarda... acabam por se transformar em parte de nós mesmos.. .como se fossemos um puzzle... constituídos por parcelas de história... a nossa história... aquela que apenas a nós diz respeito.

Assim, este homem... de forma muito tranquila... garantia o seu acervo que... um dia... lhe fará companhia... quando as lembranças... forem a sua bengala... e a sua lucidez delas depender.

Eu trouxe-o comigo... não lhe pedi... mas talvez a minha ação encontre nele a compreensão de quem... como ele... quis trazer o registo de um momento que me encantou... que me prendeu.

Ficou a minha dúvida... que guardava ele naquela folha?... a ponte?... o navio? ambos?... eu trouxe-os a todos e construí o meu quadro... mas fiz dele o centro... o ponto de partida... por justiça.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Comboio Presidencial...uma história dentro de uma história maior...


Um comboio, dirão uns...uma peça de arte, dirão outros...para mim, um deslumbramento.

A beleza ímpar...o brilho...a imponência...o cheiro da história e a das suas histórias...que só ele conhece intimamente...atribuem-lhe uma dimensão de Estadista.

Não é possível ficar indiferente à sua passagem...não há como não nos sentirmos menores ante a sua presença.

Há um Estado dentro dele e...em certa medida...ele foi o Estado...classes...do mais ao menos...como uma orquestra precisa de todos e todos são parte integrante dele.

Por aqui...nas suas viagens...transportou o poder...a diplomacia...as elites...as pseudo-elites...o povo trabalhador...que lhe alimentava a chama e garantia os serviçais...houve sempre lugar para todos...mas todos não ocupavam os mesmos lugares.

O Comboio Presidencial...

Eléctricos

Há gostos...atracções...sentires...que não têm história...não têm uma razão...eles são a história e a razão em si mesmos...sempre ali estiveram...cravados em nós...não conseguimos determinar o seu nascimento...sabemos apenas que permanecerão até ao fim dos tempos...do meu tempo.

Eu adoro eléctricos...mas adoro ainda mais os rostos...as expressões...as poses...daqueles que no seu interior viajam.

São vidas...histórias de vida...tão diferentes ou distantes...estão aglomeradas no mesmo espaço e partilham a mesma viagem...ou uma parcela dela...partilham...não têm o mesmo passado e...seguramente...não terão o mesmo futuro...mas estão ali...juntos.

Amo os sorrisos...os olhares...as expressões mais ou menos espontâneas...são linguagem universal...registá-los...um privilégio indescritível...

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Invicta...

©Hugo Tavares
A madrugada já vai avançada. O vento...suave...que se faz sentir...transforma o frio em navalhas que nos passam pelas mãos. A luz era já clara...mas não intensa...dançava abraçada a uma neblina...juntas deambulavam em passo de valsa...ambas permaneciam exactamente no mesmo sítio.
Eu gosto do acordar das cidades...há uma magia que as torna únicas...nenhuma tem o mesmo despertar para o dia.
O Porto tem um acordar deslumbrante...sente-se e cheira-se a sua alma. 
É um acordar inebriante...viciante...mesmo para quem não é de lá e apenas está de passagem. 
Suspeito que nunca ninguém está de passagem depois de por lá passar. 
Há um resgate permanente que nos impele a regressar...regressar vezes sem conta.
Os sons são ainda escassos e subtis...ecoam mais à distância. 
A ponte...ao contrário da canção sobre outra ponte..."não ficou deserta" e não há dúvidas que o Porto "não partiu para parte incerta". 
O Porto está aqui, mesmo diante de mim...ou melhor...sou eu que estou no Porto. 
O ferro da ponte...num cinza muito escuro...entra-me pelos olhos a dentro e a neblina...dançando a sua valsa com a luz...confere-lhe uma imponência ainda maior do que a habitual.
É uma ponte sem início e sem fim...como o são os sentires no Porto...eternos...e ficam...apenas...para sempre.
O Invicta está atracado ao cais da Invicta...jogo de palavras...coincidências...mas não havendo crenças nas coincidências...está para me lembrar que navega as veias de uma região dourada...navega o Douro...conhece-lhe as entranhas. Está tranquilo porque as águas apenas o embalam suavemente. O fumo que deita...anunciando o seu acordar mistura-se na neblina...não se distingue...não se destaca...mas está lá. Há-de romper a neblina se ela não se dissipar...há-de fazer mais uma das muitas viagens...não será tão Invicta como a cidade que o acolhe...mas os pulmões ainda estão jovens e passageiros não lhe faltam para garantir o sustento.
E se "uma gaivota viesse"...eis que ela irrompe pelo campo de visão a dentro...dona e senhora de si. Quer marcar a sua posição...trazer o movimento da natureza...e plana para se deixar ver...quer ficar no registo fotográfico...quer ser estrela...ela que de entre muitas foi a única que acordou cedo e se mostrou...no exacto momento em que a sua presença era requerida.
Assim...numa madrugada...se compôs um quadro vivo...ficará eterno e agarrado à lembrança de um momento único...irrepetível...MÁGICO...

domingo, 18 de fevereiro de 2018

um dia...

Não o conheço e não sei o seu nome. Apareceu-me do nada, do meio da multidão em folia. A festa era rija como são todas as festas do Carnaval de Torres. Para quem gosta e já por lá andou, sabe que o Carnaval de Torres tem um sentir muito peculiar. O Corso são todos os que nele participam e a distinção entre figurantes, estrelas e público é feita por linhas tão ténues que se tornam imperceptíveis.
No campo da fotografia este evento é uma palco de excelência, as cores abundam, o movimento é rei e as cenas são deslumbramento puro. A possibilidade de estar no centro dos acontecimentos faz subir a adrenalina e facilmente nos deixamos inebriar pela magia, pelos sons, pelos cheiros...a alegria é contagiante.
Mas regresso a esta fotografia que me tocou particularmente pela sua espontaneidade e pelo que representa para mim, autor da mesma. Eu não conheço, infelizmente, este homem. Surgiu-me do meio da multidão, dirigiu-se a mim, pediu-me com cordialidade se o podia fotografar. Respondi-lhe que sim e entre empurrões, apertos e alguns passagens pelo meio, lá consegui satisfazer o seu pedido. Pedido que de tão simples me tocou profundamente. Ele não me pediu que lhe enviasse a fotografia, não a quis ver no lcd da câmara, apenas me pediu para o fotografar. 
Depois, assim como apareceu, desapareceu na multidão, deixando-me atordoado com a situação. 
Não sei os fundamentos para o pedido, nem sei se a satisfação do mesmo lhe trouxeram algum sentir digno de registo, onde possa ter imperado a felicidade. Gostava que assim fosse e que, de alguma forma, o meu gesto o pudesse ter feito feliz e lhe tivesse demonstrado que, de entre tantas fotos que fiz, esta foto foi especial e merecerá lugar de destaque nas minhas memórias. Porque a fotografia é isto, também isto, momentos que nos tocam emocionalmente.